quinta-feira, março 16, 2006

Uma Pausa para Uma Fábula


Sandro Botticelli (sec. XV)

É sempre oportuno voltar a velhos temas sob velhas formas.
Um velho tema é a compreensão realística e assumida das diferenças.
Uma velha forma é recorrer a uma fábula.
Na fábula, os animais são o pretexto.
Os seres humanos, o objectivo.
Aí vai uma fábula da velha Mesopotâmia.
Donde sempre nos veio (e continua a vir) o melhor e o pior.

Um boi e um cavalo travaram amizade entre si.
As fartas pastagens haviam-lhes enchido os ventres.
E eles descansavam deitados, com alegria no coração.
O boi disse para o cavalo, famoso no campo de batalha:
”Parece-me ter nascido sob bons auspícios.
Encontro comida desde o começo do ano,
Tenho forragem em abundância e água de nascente com fartura…
Muda de vida e vem comigo!”

O cavalo responde:
”A forte chapa de bronze que me reveste o corpo,
Puseram sobre mim e eu a trago por vestimenta.
Sem mim, sem o fogoso ginete, nem rei, nem príncipe, nem nobre se metem a
Caminho…
O cavalo é como um deus avançando majestoso,
Enquanto tu e os bezerros usais o barrete da servidão!”

Arnold Bock (sec. XX)
Ainda um dia hei-de tentar transpor esta fábula
para os tempos que correm.
Alguns milhares de anos volvidos,
a História encarregou-se de subverter
estas condições “naturais” dos animais,
que pareciam imutáveis
e, portanto, exemplares
para os contadores de histórias da velha Mesopotâmia
e para os homens de todos os tempos.
Mas não vai ser hoje.
Hoje, não me sobra tempo nem imaginação.
Vou-me ficar entre os rios.
Como qualquer velhote da antiga Mesopotâmia.
Fingindo que os bois ainda ruminam servidões de fartura.
E que os cavalos avançam, chapeados a bronze, como deuses alados na imensidão das planuras.

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