quinta-feira, março 03, 2005

Aquilino Ribeiro e o Jazz


"O jazz-band costumava oferecer-se em espectáculo na feira de Alcântara, numa barraca de ripas de lona, miserável, rudimentar e cachaceiro.
Esses ios que gaiteiros e batucadores intercalam na barulhada, e que a telefonia sem fios nos traz do Hotel Savoy, de Londres, através do céu frio da costa Álbion, como uma guinada de luxúria, confinava-se ao tempo, neste ritornelo pandilha:
O preto mais a preta
Fizeram uma salada!
Ninguém que se prezasse se dava ao desenfado de ir ouvir a musica bárbara dos pretalhões e seus saracoteios obscenos. Não porque fosse zona interdita ao pudor, mas porque era apenas uma diversão sem graça nenhuma.
Em Paris apareceu aí pelo ano de 1910, num terreno vago da Place Clichy levados pelos tuaregues. Os míseros tiveram de variar a exibição, engolindo serpentes e simulando combates à sua maneira, para não morrer à fome.
Hoje, graças ainda à loucura reinante, o jazz-band é a música do dia. Nas salas, nos teatros, nos banquetes, nos bródios solenes e saraus. Proscritos os mesureiros Chopin e os ledos e espirituais Weber. Quanto mais supernegróide, mais requintado.
Um bispo negro pensou em adaptá-lo às funções do culto e, se a religião lhes pega, temos jazz-band in secula seculorum".
(Aquilino Ribeiro, "crónica da quinzena" in "A Ilustração"de 16-VII-1926)

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