terça-feira, novembro 30, 2004

PELAS RUAS DO ROMANCE E DA MEMÓRIA

Não quero deixar acabar este mês de Novembro sem referência a um dos gandes nomes do romance português do século XIX e que faz parte das memórias de leitura da minha juventude.
Refiro-me a Júlio Dinis, nascido a 14 de Novembro de 1839. Teve vida breve e atormentada pela doença do seu século - a tuberculose - e obra curta mas, em contraste, alimentada por um optimismo liberal e ingénuo que caracterizou alguma mentalidade do seu tempo e (porque não?) de todos os tempos e de todas as vidas de cada um de nós.
Recordemo-lo com palavras de Vitorino Nemésio que têm o mérito de enquadrar Júlio Dinis, de modo original e simples, naquilo que ele chama "as três ruas do romance português, Camilo, Júlio Dinis e Eça".
"Na nossa cidade romanesca, a rua de Camilo é amarga, um pouco lôbrega: fachadas de conventos, um quinteiro minhoto, ruas escusas do Porto e, num muro beirão, a argola a que o ferrador João da Cruz amarra os machos...
A rua de Eça - que é a maior, quase uma avenida - apresenta a frente dos prédios um pouco suja, um cunhal com candeeiro em Leiria, um bocado de azulejo de quinta rica, e muita gente ridícula que passa, muita cortina e muita saia... À esquina o Paula dos Móveis.
De maneira que a ruazinha de Júlio Dinis ainda é talvez a mais concorrida pelas pessoas que, não tendo os grandes bairros fictos de sofrimento e de amor para passear - o casario humano e profundo dos Balzac, dos Tolstoi, dos Dostoiewski, dos Dickens - se contentam com uma travessazinha portuguesa limpa e curta, de onde se vê o campo, onde umas velhotas falam de coisas ingénuas e antiquadas, mas com marmelada à janela, e onde mora uma família inglesa".

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