Ouvi a entrevista de António Borges ao programa “Última Hora,”
ontem, na RTP. Acho que se pode apontar ao entrevistado, pelo menos, uma cega
convicção ideológica sobre o papel da iniciativa privada. O Estado é mau gestor
e mais permeável a interesses e desvios político- partidários. Daí a conclusão
de que a gestão da RTP deve ser da responsabilidade privada e não pública. Ao
mesmo tempo queixa-se das dificuldades de fazer ouvir a sua voz na comunicação
social, quando exerceu funções de carácter partidário. Mas, então, essa comunicação
social não estava, senão exclusivamente pelo menos maioritariamente, em mãos
privadas? Além disso, não parece mostrar muita
segurança nessa superioridade da gestão privada porque admite que, se
ela não corresponder às exigências do serviço público, possa ser retomada pelo
Estado.
Outro aspecto que ressalta da entrevista é a visão quase
idílica que o entrevistado dá dos progressos conseguidos por este Governo no
que ele chama “ajustamento da economia” pondo-a funcionar nos limites das nossas
possibilidades financeiras. Ajustamento que foi conseguido com rapidez e eficácia. Chama a
esse ajustamento “poupança”. Esquece que essa “poupança” para a maioria dos
portugueses, não foi conseguida por qualquer aforro de recursos, mas pela
degradação acelerada das suas condições de vida.
Em qualquer caso, diz
ele, uma vez conseguido este ajustamento, não será necessário voltar, de novo,
“a sacrifícios adicionais e a apertar o cinto”. Como foi necessário em 2011 e
2012. Ele admite que falta agora fazer o relançamento da economia, o que só
poderá ser obtido com o regresso pleno aos mercados. Há aqui um pressuposto
errado. Que os sacrifícios se limitaram a 2011 e 2012. E então, o quadro negro
que o Governo prepara para 2013 com a brutal subida de impostos prevista no
Orçamento do Estado? E, ainda, os 4 mil milhões de euros que o Governo pretende
ir arrecadar à custa das funções sociais do Estado.
Tudo isto mostra que nem o ajustamento da economia está
efectivado, nem a hora do termo dos “apertos de cinto” soou ainda.
Em toda a entrevista ressalta um pressuposto. Os problemas
da sociedade portuguesa resumem-se à economia e resolvem-se ao nível
económico-financeiro. Esquece-se que a
economia existe para resolver os problemas das pessoas. A ausência das
pessoas como objectivo último e principal das medidas económicas é a principal
e fundamental lacuna deste discurso.
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