segunda-feira, junho 02, 2008

CORO DAS MÃES (II)

Há um mês atrás iniciei neste blogue a publicação do admirável texto de Giovanni Papini, o coro da mães. Por lapso meu, não lhe foi dada continuidade. Aqui vai, embora com lamentável atraso, a sua segunda parte. E, dentro de dias, a sua terceira e última parte.



Mataram-nos os contágios, mataram-nos as feras,

mataram-nos os ini­migos, mataram-nos os cataclismos, mataram-nos os verdugos.

Recorda-te, Cristo, de que a maior parte das mães viram a morte

rou­bar-lhes alguns daqueles a que haviam dado a vida.

Foram miseramente engolidos pelas águas dos mares e dos rios,

caíram dos penhascos das montanhas

foram atingidos pelas faíscas do céu ou pelo ódio dos bárbaros.

Inumeráveis aqueles que pereceram vítimas do ódio, do fogo, da fúria

, dos elementos e das paixões

Inumeráveis foram aqueles riscados dos vivos por haverem defendido

a pátria ou por haverem ofendido a justiça

Inumeráveis aqueles que pàvidamente arremessaram a dádiva de Deus,

. a dádiva da mãe e com as próprias mãos arrancaram a própria vida.

Tu, Deus, também foste Filho, Tu, também deixaste em pranto

a Tua mãe terrestre.

Pensa, Cristo, no nosso afã e no nosso tormento,

não esqueças as nossas ardentes feridas, as nossas infinitas tristezas.

Todos aqueles mortos, todos aqueles assassinados haviam habitado

na tépida obscuridade das nossas vísceras.

Havíamo-los sentido pulsar no nosso seio ' .

haviam sugado das nossas tetas o nosso sangue transformado em leite havíamos enxugado o seu primeiro pranto e a nós haviam dirigido

o seu primeiro, inocente, divino, sorriso

as nossas mãos haviam-nos acariciado e lavado pela primeira vez os primeiros beijos dos seus lábios húmidos e ternos haviam sido para

as nossas bocas

haviam arriscado aos nossos pés os seus primeiros passos

haviam confiado aos nossos ouvidos as suas primeiras penas, as pueris

amarguras e sonhos. .

Sobre as suas cabeças, as nossas mãos haviam-se pousado as primeiras,

a gozar a doçura das madeixas juvenis e a penteá-las

e os seus sonos haviam sido velados pelo trepidante brilho dos nossos

olhos.

Não eram apenas frutos do nosso ventre, mas frutos da nossa vontade

do nosso esforço, da nossa alma.

Porque permitiste, Deus, que nos fossem arrancados e destruídos

pela invejosa morte?

Não era mais justo que primeiro aguardasses o nosso regresso à

Terra?

Porque não cortaste o ramo antes de talhar as vergônteas?

Em nome do nosso imanifestável tormento, em nome da nossa injusta

orfandade

nós Te pedimos, Senhor, misericórdia para os nossos filhos mortos,

para os nossos filhos assassinados.

Eram filhos da culpa, e foram, como nós, culpados e conde­náveis .

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