sábado, julho 30, 2005

O Eusébio vai regressar ao futebol?



Não sei.
Não lhe perguntei com o receio de ele responder que sim.
Que, há muito, que pensava nisso.
Mas, agora, que o Benfica parece ter encontrado um treinador e uma equipa, ele acha que é a altura certa para o fazer.
Também não lhe perguntei se ele tinha falado com toda a gente sobre esse seu regresso tão...tão...tão... inesperado, mas tão coerente... com os momentos de glória que o Benfica.... e o país todo viveu com ele.

Também não lhe perguntei se... e se...e se...

Na verdade, a hora não é para perguntas. É para aceitações, convictas ou resignadas.

Se o Eusébio, já foi o que foi, antes de arrumar as botas, que razão é que há para duvidar que ele continue a ser o que foi, depois de voltar a "desarrumá-las"?

Nenhuma razão, objetiva e cientificamente demonstrável.
O que eu me lembro mais perto de uma razão, é uma afirmação do "antiquíssimo" Almeida Santos que dizia que, a partir de determinadas idades, se sabe como se está hoje, nunca se sabe como se estará nas 24 horas seguintes.
Mas, pode objectar-se. Afinal, quem é o Almeida Santos e, sobretudo, o que percebe dos verdadeiros "craques", bafejados com o dom da imortalidade?
Pois é. Quanto ao Eusébio, não sei, nem quero saber.

Quanto a mim...estou de regresso... ao Ventilhador.

Para continuar. Com esta intermitência própria destes tempos de verão.
E regresso, não a pedido de nenhuma "Brigada do Reumático", nem sob a invocação de quaisquer estrelas que perderam a luz própria, mas sob o signo, que espero propício, de um planeta, apenas um planeta, nada mais que um planeta. E é apenas o décimo. Mas espero que ele se sinta bem com este número.
Parece haver pessoas que nunca se fartam de "passado". Ao contrário da Natureza.

quarta-feira, julho 20, 2005

quatro homens para uma página, ou para uma época ?


"Bruno Vespa encarna como mais ninguém o arquétipo do paladino dos poderosos, que vira a casaca ao sabor das mudanças. Se a esquerda estiver no poder ele é de esquerda. Se estiver a direita ele é de direita. Agora é berlusconiano dos pés à cabeça".

"O caldeirão da sua (de Bruno Vespa) carreira foi o 20º aniversário do pontificado de João Paulo II, na noite de 13 de Outubro de 1998. Está apresentar um número especial do "Porta a Porta". Nos sofás estão sentados cardeais, actores, tenores. De repente, o palco é colocado em ligação telefónica com o Papa, em directo. O soberano pontífice agradece a Vespa a honra que lhe está a dar. O apresentador finge-se surpreendido e derrama uma lágrima - nunca esteve tão perto do paraíso. Mais tarde descobre-se que tudo tinha sido combinado com o Vaticano."
Emídio Rangel: "Na oposição só há políticos de merda. É verdade. Não são realmente sérios. Não apresentam nenhuma proposta alternativa. Só sabem vaiar qualquer medida tomada para tentar salvar este país do abismo onde se encontra."



Kirchner-presidente da Argentina: "Os melhores jornalistas são os fotógrafos, porque não fazem perguntas".


(Tema e conteúdos baseados na página "em foco" da ed.port. do Courrier Internacional. nº15)

segunda-feira, julho 18, 2005

# 1 Julho, mês de muitos folhetins históricos?



Julho é mês de muitas datas históricas, antigas e recentes , de significado universal.
Pensemos no "fourthjuly" americano, a que a Nasa tentou conferir significado mais universal com o "deep impact" programado para aquele dia.
Pensemos no 14 de Julho francês, que, há muito, assumiu essa dimensão de símbolo universal.
Pensemos no 07/07 do terrorismo em Londres, que, este ano, eclipsou todas as outras datas.
Nomeadamente, as relacionadas com a segunda guerra e com o aniversário do maior massacre na Europa, depois daquela guerra - o massacre de Sbrenica.

É possível que ainda venha a retomar, neste blogue, alguma destas datas ou todas elas.
Por agora, apetece-me recordar o 14 de Julho, em face de caricaturas folhetinescas, surgidas na blogolândia.
Não vou dar a minha própria versão ou visão da queda da Bastilha, porque corria o risco de cair numa visão anti-folhetinesca, que teria o mesmo valor ou credibilidade da visão contrária.
Vou recorrer ao testemunho de historiadores, especialistas na matéria, que, ainda é a melhor maneira de rebater perspectivas grotescamente ideológicas e descontextualizadas.

Para maior equilíbrio de perspectivas vou-me socorrer do testemunho de duas escolas históricas diferentes.
Uma, a de um respeitado historiador francês. Outra, a de um grupo de historiadores ingleses.
É aquela primeira que reproduzo neste post.

Trata-se da visão de François Furet, em "La Revolution I", ed. Hachete, col. Le Pluriel, Paris, 1990, pg.120:


"Dans la nuit du 13 au 14, tout Paris illuminé par instruction du Comité, entend circuler les premiéres patrouiles du nouvel ordre social. La Garde nationale est née.

A l’aube du 14, l’émeute se rend maîtresse de l’Hôtel des Invalides, oú elle trouve trente-deux mille fusils; c’est aussi pour y chercher des armes qu’elle pense ensuite à la Bastille. Mais cette admirable intuition collective est aussi d’un tout autre ordre: il n’y a pas de meilleur symbole de l’ennemi que la prison légendaire qui barre de ses huit grosses tours l’entrée du faubourg Saint-Antoine. La fin de ce monstrueux anachronisme urbain, politique et humain, doit marquer comme naturellement l’avènement de la liberté.

# 2 Julho, mês de muitos folhetins históricos?






"Quando a crise política de Julho eclodiu, o povo já estava na rua para mostrar a sua cólera. Os sentimentos despertados pela crise política poderiam não o ter levado a sair à rua com tamanho ímpeto ou não ter provocado um tal impacte se não fossem essas razões de queixa económicas. Durante a Revolução, a escassez de alimentos e a subida dos preços surgiriam frequentemente como a grande força motriz subjacente ao descontentamento popular. (…)
O povo (estava) de sobreaviso contra os planos aristocráticos de envio de tropas para Paris e incitaram-no a pegar em armas.(…) As multidões lançaram-se pelas ruas em busca de armas, que encontraram no Hôtel de Ville e no Hôtel des Invalides.
No dia 14 de Julho convergiram para a Bastilha, no Faubourg Saint-Antoine, onde se julgava haver armas e se suspeitava ser o baluarte donde as tropas reais atacariam, estando para tanto os canhões apontados para as ruas. Entrando em pânico, a pequena guarnição abriu fogo. Furiosa, a multidão, acompanhada por soldados rebeldes com artilharia, obrigou o governador De Launay a render-se e matou-o. «E uma revolta!», declarou o rei. «Sire», retorquiu -lhe um cortesão, «não é uma revolta, é uma revolução.» A queda da Bastilha teve importantes consequências. O rei tinha perdido o controlo de Paris. Paralelamente, o corpo de eleitores que escolhera os representantes de Paris, e que continuara a reunir-se desde então, rejeitou as autoridades da cidade e autoproclamou-se conselho municipal, ou Comuna. Criou uma milícia, a Guarda Nacional, no sentido de resistir a possíveis conspirações aristocráticas e de controlar os excessos populares. O seu comandante passou a ser Lafayette; a sua insígnia, a faixa tricolor. Surgiram por toda a França órgãos similares que destituíram as antigas autoridades".
(Esmond Wright(dir.), História Universal, Publicit Editora; Lisboa, 1982, V vol., pag. 35, 36)

sexta-feira, julho 15, 2005

Eis a Grandes Festas do Divino


Disse a “Santa Isabel” do século XXI,
sob o poético disfarce de mordoma e política atitude de Presidente da Camara, em rodagem de pré-campanha:

Meu povo Rei e Senhor, estas são as AS GRANDES FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO DE PONTA DELGADA.

E mais digo, meu povo Rei e Senhor, são grandes no nome, porque, na nossa sociedade da maior ilha açoriana, a grandeza de alguém ou alguma coisa deve começar na grandeza do nome.

São GRANDES, estas festas, porque representam uma tradição única. No mundo.

Não é o existir durante longos anos que as faz tradição, é o morrer, ritualmente de 20 em 20 anos.

Quem, nos Açores ou fora deles, se pode orgulhar de uma tradição como esta?

No ressuscitar é que está a sua força como tradição. Sem esta ressurreição, toda a nossa fé na grandeza destas festas seria vã.

São Grandes, meu povo Rei e Senhor, porque não podem deixar de ser grandes, feitas no maior concelho, que tem a maior cidade, da maior ilha dos Açores, só tem de ser, só podem ser GRANDEEEEEEES.!

As maiores, entre as GRANDES.

Até porque a sua medida de aferição não está em qualquer das outras oito pequenas ilhas dos Açores, mas no coração da GRANDE diáspora açoriana de Fall River.

São Grandes, meu povo Rei e Senhor, porque o homem, que mais luz faz brilhar sobre as maiores festas religiosas dos Açores, se encarregará, mais uma vez, de fazer luz sobre o assunto, dislatando solenemente:

"As maiores festas religiosas dos Açores são as festas de Santo Cristo e as maiores festas profanas dos Açores são as GRANDES festas do divino Espírito Santo de Ponta Delgada".

E mais podia ter acrescentado, meu povo Rei e Senhor: "Só nos falta ganhar o título das maiores festas do Carnaval, das Grandes Festas do Carnaval de Ponta Delgada".

Mas lá chegaremos.

Talvez, iluminando as “limas” de parafina da batalha das limas da terça-feira de Carnaval!

Além disso, nessas matérias, a RTP-Açores não dorme, está sempre pronta a dar dimensão açoriana a tudo o que tenha a medida da Avenida marginal de Ponta Delgada.

Mais ainda, a imaginação popular, num dos carros desta GRANDE festa , já se encarregou de introduzir, na própria GRANDE festa do Divino, a sua caricatura carnavalesca, com uma representação mecânica, em marionetes, de uma "folia".

Surpreendeu tudo e todos. Siderou o apresentador popular da televisão e o comentador erudito, que acabavam de garantir a genuinidade e autenticidade de toda aquela encenação.

Mas deu a nota justa, aquele carro.

Um dos poucos elementos autênticos daquele desfile de encenações foram as “folias”.

Mas num cortejo, que era, todo ele, um “pastiche, aquilo que era autêntico também tinha de ter, incluído no desfile, o seu próprio “pastiche.”

Note-se que, a encenação, tomada e aceite como tal, não tem grande mal.

O mal está em encenar a genuinidade e a autenticidade, com uma Presidente da Câmara, que se disfarça de mordoma e uma chefe de gabinete, que se disfarça de coordenadora e uma chusma de políticos de várias funções e calibres, mas todos da mesma cor política, se mascaram de devotos em procissão ou de membros de júri em tribunal.

Este júri é mais uma nota de falsificação. Nada, mais escandalosamente contra o sentido autêntico de uma festividade do Espírito Santo, que traduz a utopia da igualdade entre todos, do que um júri para contabilizar e premiar as diferenças!

O que menos faltam nos Açores são Câmaras que promovem festas, procissões e bodos, em cumprimento de promessas e votos.

O que não tínhamos ainda era uma Câmara que encenasse os votos, as promessas e as procissões que, com vera e genuína autenticidade, se realizam nas freguesias do seu concelho.

Passamos a ter.

A empresa de produção de eventos da dita Câmara não se chama “Anima”?

E, neste caso, não animou?

Quem?

O povo?

Claro que não.

As imagens da televisão não enganaram ninguém sobre a ausência de povo, neste “pastiche” do Espírito Santo. Ele, que nunca falta, nas autênticas manifestações do divino.

Mas animou a Câmara e sua Presidente e demais corte. Não é para isso mesmo que ela existe?

Já que parecem ter perdido, em definitivo, todos eles, a capacidade de ser povo e de estar com ele e de tê-lo consigo, mascaram-se de povo, simulando os actos do povo, que já não são.

quinta-feira, julho 14, 2005

VOLTANDO

VOLTANDO



A ANGRA-PATRIMÓNIO MUNDIAL





Em dois textos anteriores, referi-me à homepage do “World Heritage Comittee” sobre a “central Zone of theTown of Angra do Heroísmo in the Azores” referindo alguns erros elementares no seu conteúdo.

Alguns, revelando inesperadas falhas de apresentação.

Outros, dificilmente compreensíveis imprecisões e desactualizações de informação.

Na altura, nem me dei ao trabalho de explicitá-los. Tão óbvios me parecem.

Tenho porém, eco de terem ficado dúvidas na mente de algumas pessoas, sobre o bem-fundado da minhas observações.

Por isto mesmo, volto ao assunto.

Mas também, porque, durante esta semana, decorre a 29ª sessão plenária do “World Heritage Comittee”.

Iniciou-se, em Durban, na África do Sul, no passado dia 10 e prolonga-se até 17.

Mas voltemos às deficiências da “homepage”.

A primeira, surpreendente, mas que salta à vista, é a referência, em francês, a “Region Autonome des Açores”, no texto da versão inglesa. É um deslize que não consegui detectar em nenhuma outra homepage, das que fui visitando, ao acaso.

Os outros dois são:

A localização indefinida de Angra “in the Azores archipelago” e não na Ilha Terceira.

Mesmo admitindo que nenhuma das indicações devesse figurar sozinha,no mínimo, requeria-se a informação completa, tendo em vista quem acede, na esmagadora maioria dos casos pela primeira vez, a esta informação.

A exactidão da informação requeria a sua localização rigorosa, na ilha Terceira, nos Açores.

Mas a informação mais anacrónica e desajustada, no tempo e na realidade, é a que indica a “ "Central Zone of the town of Angra do Heroísmo in the Azores ( também este título se pode considerar incompleto) como estando a ser reconstruída ("being restored", e "en cours de restauration"). Agora.


Até se fica com a impressão que, os responsáveis do Comité, nunca mais se ocuparam com Angra, depois da sua classificação em 1983.


Mas não. Não é este o caso.

Angra foi objecto das atenções do plenário do “Comité”, por duas vezes, pelo menos.

Em 1998 e em 1999.

É o que veremos, em próxima oportunidade.

terça-feira, julho 12, 2005

As Cores Revelam ou

Escondem ?



Nestes dois exemplos, servem para esconder.

No primeiro, servem, à natureza, para esconder o mortífero peixe escorpião. De que até possuímos uma variante azorica.

No segundo, esta colorida combinação, surgida no acaso de uma etapa do "Tour", esconde o conflito que, em breve, vai desfazer este aparente arco-íris de harmonia.



A propósito da cor, talvez seja oportuno recordar algumas noções básicas da Física sobre a cor e a sua percepção.

Por exemplo, esta: "No processo aditivo de formação de cor, o olho humano não consegue diferenciar componentes e sim a cor resultante; diferentemente do ouvido que consegue distinguir, por exemplo, dois instrumentos diferentes tocados simultaneamente".

Quem estiver interessado no tema pode encontrar aqui estes e outros interessantes aspectos.

segunda-feira, julho 11, 2005

A sabedoria de krishna contra as calinadas de João jardim



Como é possível que estes milhares de indianos se acotevelem para festejar o Deus Krishna, em imperturbável indiferança, perante os insultos de João Jardim, contra chineses e indianos?
Como sempre, no fundo, contra tudo o que, no universo, não caiba no pequeno mundo do PSD-Madeira. Um anacrónico Peppone que sobrevive, prisioneiro do seu "Mondo Piccolo", em que parece condenado a vegetar, rodeado da sua corte de indefectíveis, até ao fim dos seus dias políticos.

Portugal sentiu-se insultado, temendo pelo seu bom nome junto da China milenar.

O Embaixador chinês, diplomaticamente, reduziu o insulto às dimensões estivais dos "arrotos" de Jardim.

Os indianos, por sua vez, nem pestanejaram. E continuam voltados para Krishna. Àquela caravana, dos latidos estivais, nem eco.

domingo, julho 10, 2005

Subtis questões de escala



Sempre desconfiei que o golf era um desporto de elites, em qualquer planeta.

Em compensação, por força de uma qualquer regra de equilíbrio entre espécies afins, há seres humanos, que, no nosso planeta, se ocupam de tarefas, que os elevam a grandes alturas...na escala zoológica.



Há ainda outros, que, não sendo considerados terroristas, deixam os locais que atacam na hora da diversão, em pior estado do que os locais, oficialmente, destinados a recolher o lixo da espécie mais infatigavelmente poluidora de todo o universo.


Para trabalhar,
Ou para se divertir.
No século,
que acabou de morrer.
Ou no século,
que acaba de nascer.
O ser humano,
que se preza
de o ser.
Por obrigação,
Ou por prazer.
Nunca hesita,
Para viver
Ou conviver,
- onde diz ir
para se divertir-
E sempre deixa
a peugada
da sua cultura
de poluir por poluir.

sábado, julho 09, 2005

Gente que resiste com lágrimas



Gente que chora mas resiste
Gente que sofre mas continua
Gente que atacada persiste
Gente, que faz mais um dia
daquele que podia ter sido
o seu último dia.

Foi em Londres,
numa manhã de terror.
O trânsito parou.
Mas,
nem o sinal verde
a sua cor
mudou.

O terror passou pela ilha,
Mas a ilha continua.
Na rua.
A vida na ilha continua
porque é sua
a rua.
O povo sofreu e chorou
na ilha.
Mas na rua
continua
a partilha
da vida
na ilha
que é sua.

quinta-feira, julho 07, 2005

# 3 Os "Oásis" de Roberto




"O «objecto dessa saudade», a imagem dos pais, já não fazia parte disso.

Penso num tipo de lembrança muito particular de uma pessoa amada, lembrança plástica, não apenas derivada da memória, mas física, que fala a todos os sentidos e que todos os sentidos guardam, de tal modo que não somos capazes de fazer nada sem sentir o outro ao nosso lado, silencioso e invisível.

Este tipo de lembrança esvaiu-se depressa, como uma ressonância que só ficara a vibrar durante um instante.

Nessa altura, por exemplo, de tanto dizer, quase sempre para consigo, «queridos, queridos pais», Torless não conseguia evocar a sua imagem.

Quando tentava fazê-lo o que aparecia em seu lugar era a dor sem limites cuja nostalgia o disciplinava e acabava também por o prender, porque as suas chamas ardentes eram, ao mesmo tempo, causa de dor e de fascínio.

A recordação dos pais tornou-se-lhe cada vez mais uma causa meramente circunstancial que gerava nele aquele sofrimento egoísta que o envolvia no seu orgulho voluptuoso como na solidão de uma capela na qual cem velas acesas e cem olhos de imagens de santos espalhassem incenso por entre as dores dos que a si mesmo se flagelavam".

quarta-feira, julho 06, 2005

DE CARLOS DRUMOND DE ANDRADE



#02 Poesia Errante Para um Planeta Enfermo


Infatigável

O progresso não recua.
Já transformou esta rua
em buraco.

E o progresso continua.
Vai abrir neste buraco
outra rua.

Afinal, da nova rua,
o progresso vai compor
Outro buraco.

DE CARLOS DRUMOND DE ANDRADE



#01 Poesia Errante Para um Planeta Enfermo


...onde quer que a valia
valha mais do que a vida


(...)A neve foi malfeita, não se faz neve
como em filmes e gravuras.
E me dói a cabeça, diz alguém.
E a minha também, e o mal-estar me invade o corpo.
Desculpem se vomito à vista de pessoas tão distintas.
Envenenada morre a flor-de-outubro
no canteiro onde o branco
deixa uma escura marca de gordura.
………………………..
Estranha neve:
espuma, espuma apenas
que o vento espalha, bolha em baile no ar,
vinda do Tietê alvoroçado ao abrir de comportas,
espuma de dodecilbenzeno irredutível,
emergindo das águas profanadas do rio-bandeirante, hoje rio-despejo
de mil imundícies do progresso.


Pesadelo? Sinal dos tempos?
Jeito novo de punir cidades, pois a Bíblia
esgotou os castigos de água e fogo?
Entre flocos de espuma detergente
vão se findar os dias lentamente
de pecadores e não-pecadores,
se pecado é viver entre rios sem peixe
e chaminés sem filtro e monstrimultinacionais,
onde quer que a valia
valha mais do que a vida?

Minha Santana pobre de Parnaíba
meu dorido Bom Jesus de Pirapora,
meu infecto Anhambi de glória morta,
fostes os chamados
não para anunciar uma outra luz do dia,
mas o branco sinistro, o negro branco,
o branco sepultura do que é cor, perfume
e graça de viver, enquanto vida
ou memória de vida se consente
neste planeta enfermo.

terça-feira, julho 05, 2005

# 2 Os "Oásis" do Roberto




"Escrevia cartas para casa, quase diariamente, e a sua vida estava toda nessas cartas;
tudo o resto lhe pareciam ser apenas acontecimentos sombrios e sem significado, etapas indiferentes, como as das horas num mostrador de relógio.

Mas quando escrevia, sentia em si qualquer coisa de diferente, de exclusivo.

Do mar das sensações insípidas que o envolvia em indiferença no dia-a-dia, nascia nele qualquer coisa como uma ilha cheia de sóis e cores maravilhosas.

E quando, no decorrer do dia, nos jogos ou nas aulas, se lembrava de que à noite iria escrever a sua carta, era como se tivesse uma chave de ouro escondida e presa a uma corrente invisível, com a qual, quando ninguém o visse, abriria o portão de jardins de maravilha."