Para quem, como eu, antes do referendo, escreveu sobre este tema, justificam-se algumas considerações posteriores ao dia do Sim maioritário.
A primeira delas é relembrar que a vitória do Sim, num referendo sobre a IVG, e consequente alteração da legislação em vigor, no sentido favorável à despenalização do aborto, é um caso único na Europa. Pelo menos, na Europa.
Como já salientei, todos os exemplos anteriores, dos anos 80 e 90, na Europa, resultaram de referendos promovidos pelos movimentos e partidários do Não e o seu resultado final foi-lhes sempre favorável.
A democracia portuguesa protagonizou, assim, no passado Domingo, uma dupla singularidade.
É verdade, que o faz com um grande atraso temporal sobre os restantes países da Europa, que, já há muito, alteraram a sua legislação nesta matéria.
É verdade também, que a ideia do referendo, em 1998, foi engendrada por Marcelo Rebelo de Sousa, defensor do Não, e apoiada por António Guterres, igualmente partidário do Não, mas, a sua vitória, acabou por ser temporária, e o seu efeito reduziu-se ao adiamento de alguns anos, para a entrada em vigor de legislação que correspondesse ao sentir maioritário da sociedade portuguesa.
Neste aspecto, o fadário do Não tem sido sempre o mesmo.
Correr atrás da história e das transformações exigidas pela consciência social.
A segunda consideração a fazer sobre o tema é precisamente esta.
Qualquer legislação sobre este assunto, no sentido de romper com concepções com peso de séculos, na cultura, nos comportamentos e convicções religiosas dos portugueses, mas que não fosse, previamente, submetida ao veredicto final do conjunto da sociedade portuguesa, teria sempre a ensombrá-la, na sua aceitação generalizada e, sobretudo, na sua aplicação concreta, a dúvida, que os partidários do não, infatigavelmente, não deixariam de agitar, de ela corresponder mesmo ao sentir maioritário do país.
Esta dúvida metódica deixou de ter qualquer fundamento, com os resultados do referendo.
Mais algumas breves considerações sobre o caso dos Açores, que acabei por não fazer antes do referendo.
Faço-o agora.
Pode-se dizer que tudo o que o referendo revelou era previsível.
Elevada abstenção, esmagadora vitória do Não, algum progresso do Sim.
Realisticamente, não era possível esperar resultados muito diferentes.
Para mim, porém, há, ainda, dois sinais positivos.
Só ouvi a dois abencerragens do PSD, (Álvaro Monjardino e Reis Leite), uma referência à ideia de voltar a um comportamento, por parte do PSD, semelhante ao que teve, nos anos 80, aquando da aprovação na Assembleia da República da lei actualmente em vigor.
Apelar para as "especificidades" regionais (e para os resultados regionais) para que a legislação nacional nunca fosse aplicada na Região.
Sim, convém não esquecer que, figurões como Costa Neves, que, Domingo, lembravam a sua posição favorável à manutenção da lei em vigor, nos anos oitenta, faziam parte de maiorias e governos que defendiam que, nem a lei actual, que, agora defendiam, devia ser aplicada na Região.
A tal mesma regra de correr sempre atrás da História ou, neste caso, até contra ela.
Segundo sinal positivo.
Ao contrário do que aconteceu com os governos regionais do PSD, que, promoveram, activamente, o incumprimento, na Região, da lei actual, o Presidente do Governo Regional não deixou dúvidas sobre a sua intenção de cumprir e fazer cumprir a lei que resultar deste referendo.
Trata-se, apenas, de acertar o passo com a História.
Dados os antecedentes referidos, é de sublinhar.