Um sumário olhar sobre a campanha.
A cisão que divide a sociedade portuguesa entre o sim e o não à despenalização do aborto, deslocou-se, entre 1998 e 2007, do interior do PS para o interior do PSD.
Dito de outra forma, enquanto, em 98, as vozes hesitantes ou favoráveis ao não, tinham ainda um peso significativo, no interior do PS, em 2007, passaram a ser claramente residuais e sem qualquer impacto no seu eleitorado.
No PSD, tudo leva a crer que se tenha passado precisamente o inverso.
Traduzindo ainda noutros termos, a cisão entre o sim e o não passou a fazer-se por dentro do eleitorado de centro direita e o mais fácil consenso de posições e de discurso passou a ser mais notório entre o eleitorado de centro esquerda.
Este último facto, aliado à circunstancia de o partido polarizador do centro esquerda ter uma posição de referência favorável ao sim e ser mesmo o promotor do referendo, ao contrário do seu rival do centro direita, facilitou as condições de campanha dos movimentos do sim, embora me pareça que não chegou para a tornar nem mais activa nem mais eficaz.
Esta circunstância ainda, aliada a duas outras, à centralização da discussão directamente na despenalização e só indirectamente no próprio aborto em si, e à importância que assumiu o debate televisivo (particularmente através do "Prós e Contras" da RTP 1, graças ao impacto do seu formato e credibilidade) e a própria internet, dificultou em muito o discurso e a actuação dos defensores do não que, fora do tema dilemático, não ao aborto, sim à vida, revelaram dificuldades evidentes em se sintonizarem com as preocupções reais do eleitorado, que se situam muito mais no "como" e nas condições, legais e outras, do aborto, do que na sua legitimidade ética e aceitabilidade social.
Viram-se, assim, forçados a recorrer a sucessivas tácticas de ajustamento da sua campanha até acertarem no tom das modalidades intermédias de despenalização.
Neste contexto, parece razoável prever a vitória do sim, em termos políticos e de expressão do voto nas urnas, mantendo-se, no entanto, uma grande margem de dúvida sobre a mobilização para a ida às urnas, sobretudo, para se conseguir mais de 50% de votantes recenseados e arrumar, assim, em definitivo, e de forma única em toda a Europa, esta velha questão.
O caso dos Açores merecia uma referência, que espero fazer brevemente.
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