Façamos alguns"supônhamos", para falar em bom "pretuguês".
Mas, antes, como ponto de referência, voltemos a Canotilho e Vital Moreira.
Desta vez, aos "Fundamentos da Constituição"(Coimbra Editora, 1991, pag. 211), em que se diz:
"O papel constitucional (do Presidente da República), para além da sua função de representação, é, essencialmente, a de controlo da maioria governamental, de arbitragem institucional e de garantia do regular funcionamento das instituições"
Em face destes objectivos e critérios da actuação presidencial, atiremo-nos, então, aos "supônhamos".
Suponhamos que o Presidente de República tinha resolvido pronunciar-se a respeito do projecto de pergunta a propor em referendo sobre o aborto, antes de a pergunta ser apresentada à Assembleia da República,ou durante a sua discussão, na Assembleia da República, ou depois da sua discussão.
Ou, em alternativa ou complemento, suponhamos que o fazia, antes de a enviar para o Tribunal Constitucional para parecer, ou durante a sua apreciação por aquela entidade, ou depois de a receber para promulgação.
Suponhamos ainda, que o fazia antes de iniciada a campanha para o referendo, durante a campanha para o referendo ou depois de ela encerrada.
Ou também que o fazia antes de depositar o seu voto na urna, ou durante, ou depois?
Ou resolvia pronunciar-se antes de começar o debate da lei do aborto na Assembleia da República, ou durante o debate ou depois de ele ter terminado?
Ou ainda decidia pronunciar-se antes de terminado o período para o seu eventual envio para o Tribunal Constitucional, durante este período ou depois desta consulta?
Em qualquer destes casos, penso que ninguém hesitaria em dizer que o Presidente da República quebrara o dever de isenção que lhe permitiria exercer com credibilidade a sua função de arbitragem neste caso concreto da temática do aborto.
Em todos estes exemplos, teria sacrificado as condições do adequado exercício daquela função, às sua inclinações, interesses ou cálculos de cidadão ou de candidato com determinada predominância de eleitorado?
Mais ainda, se o fizesse incorreria na mesma falta de isenção de um qualquer agente do Estado, que violasse direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, como se dispôe no art.º 271º da Constituição.
Questão final.
Haverá alguma diferença entre todos estes casos e o caso concreto de pronunciamento sob a forma de comentário ou mensagem à Assembleia da República, durante a promulgação da lei?
Haverá alguma diferença entre este comportamento presidencial na página oficial da Presidência da República, antes da regulamentação da lei ou o de um responsável governamental na página oficial de um qualquer governo, antes do voto no referendo?
É o que terá de ser demonstrado.
E não me parece nada fácil fazê-lo.
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