Admiro os homens que da lei da morte se vão libertando por obras e feitos “valerosos”.
Não consigo admirar os homens que pretendem ser “valerosos”, porque tentam libertar-se também das “leis” da vida.
Admiro os homens que sabem distinguir, na sua vida, até ao fim dela ( e é aqui que está a dificuldade…) a hora de semear, da hora de defender e tratar o que se semeou, e da hora de colher e de se…recolher.
Não consigo admirar os homens que, além de viverem o seu tempo de vida, invadem o tempo de vida dos outros.
Admiro os homens que passam pelos lugares, cargos e funções como escalas, sempre temporárias, sempre de duração limitada, e nunca cedem à tentação de olhar para trás e de voltar aos cargos, lugares e funções, com a escusa, sempre fácil e sempre ilusória, de ter de regressar…porque mais ninguém é capaz de exercê-los tão bem e com tanta eficácia como eles.
Não consigo admirar os homens, que se consideram a única excepção à regra democrática que todos são, efectivamente, substituíveis, e que todos são, potencialmente, substitutos, de quaisquer outros.
Admiro os homens que são como o Lot da Bíblia. Que abandonam a cidade sem olhar para trás.
Não consigo admirar os homens que, como a mulher de Lot, acabam por mostrar que nunca deixaram, de facto, de olhar para trás.
Só, aparentemente, olhando para a cidade que deixaram. Na realidade, apenas se vendo a si próprios, no espelho da cidade, que pareciam olhar.
Assim, revelam que nunca chegaram a ver a cidade. Sempre olharam para a “sua” cidade.
Não serão estátuas de sal, porque já não conseguem, do sal, ter a utilidade, mas, da estátua, decerto, conservarão a rigidez do tempo vivido.
Admiro todos os cincinatos, célebres ou anónimos, que estão sempre prontos a abandonar os cargos públicos pelo seu arado particular.
Não consigo admirar os homens, que, no fim da vida, demonstram que o seu verdadeiro “arado” era o cargo público. E que o arado, com que, na sua própria terra, lavravam, era apenas o seu croché temporário ou as suas palavras cruzadas de ocasião.
Admiro os homens que conseguem ser cidadãos em plenitude em quaisquer funções.
Não consigo admirar os homens que precisam de determinadas funções para se considerarem e serem vistos como cidadãos na plenitude da sua vivência democrática pessoal. Não são cidadãos. São funcionários da cidadania. E a democracia fortalece-se com cidadãos, não com funcionários.