quinta-feira, janeiro 05, 2006

# 1 As histórias Fabulosas de...




Millôr Fernandes



O Socorro




Ele foi cavando, foi cavando, cavando, pois sua profissão - coveiro - era cavar.


Mas, de repente, na distracção do ofício que amava, percebeu que cavara de mais.


Tentou sair da cova e não conseguiu.


Levantou o olhar para cima e viu que, sozinho, não conseguiria sair.


Gritou.


Ninguém atendeu.


Gritou mais forte.


Ninguém veio.


Enrouqueceu de gritar.


Cansou de esbravejar.


Desistiu com a noite.


Sentou-se no fundo da cova, desesperado.


A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardas.


Bateu o frio da madrugada e, na noite escura, não se ouvia mais um som humano, embora o cemitério estivesse cheio dos pipilos e coaxares naturais dos matos.


Só pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos.


Deitado no fundo da cova o coveiro gritou.


Os passos se aproximaram.


Uma cabeça ébria apareceu lá em cima, perguntou o que havia:


«O que é que há?»


O coveiro então gritou, desesperado:


« Tire-me daqui, por favor. Estou com um frio terrível!».


«Mas coitado!» - condoeu-se o bêbado. - «Tem toda razão de estar com frio.


Alguém tirou a terra toda de cima de você, meu pobre mortinho!».


E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a cobri- lo cuidadosamente.



Moral: Nos momentos graves é preciso verificar muito bem para quem se apela.

Sem comentários: