Esta é uma das muitas frases que a imprensa internacional dedicou a Portugal, nos comentários à eleição do novo Presidente da República.
Parece-me que é evidente para toda a gente que nada pode ser descartado.
- Nem a convulsão nem a comunhão.
- Nem o entendimento total, nem o desentendimento absoluto.
- Nem um país que, todo ele, se acolha à sombra pacificadora do novo “Cavaco-Presidente”, eleito por mais 30.000 votos, como, em 86, se acolheu, à sombra do “Soares-Presidente”, eleito por mais 100.000 votos de que o seu opositor.
- Nem um país que continue tão dividido, nas expectativas e na imagem que se faz do novo Presidente, como se revelou nos votos.
Tudo está em aberto.
Tudo pertence ao mundo dos possíveis.
Tudo está tão incerto e indefinido
- como antes da apresentação das candidaturas em tribunal,
- como antes das candidaturas apresentarem os seus programas eleitorais,
- como antes de se iniciar a pré-campanha eleitoral,
- como antes de se iniciar a campanha eleitoral,
- como antes dos debates televisivos de há um mês,
- como antes...
- como antes...
- de ter havido um acto eleitoral considerado democraticamente modelar, em participação, em mobilização, em execução, no dia eleitoral e na noite de apuramento eleitoral, nas sondagens, nos comentários e nas declarações dos candidatos.
Esta é uma situação que, ontem mesmo, num dos muitos debates que se sucederam ao apuramento dos resultados, ouvi elogiar como fazendo parte do mistério, da nebulosa de secretismo e indefinição que deve rodear as funções e a figura do Presidente.
Porque este Presidente eleito teria sido, como candidato, o que melhor teria incarnado a imagem de
- o menos ligado a qualquer partido,
- o que menos compromissos concretos assumiu com o eleitorado,
- o que só reconheceu e agradeceu o apoio dos líderes dos partidos que o apoiaram depois da eleição,
- o que deu uma imagem de menor enquadramento partidário ou político,
ao apresentar-se à multidão, das varandas do CCB, não na companhia dos seus mandatários ( apolíticos, também?)
para quem acabara de fazer um discurso político, mas da família alargada, com a qual se gaba de nem falar de política.Mas é uma situação que, cada vez mais custa a aceitar e a justificar depois de uma movimentação nacional para as presidenciais que mobiliza, há seguramente mais de dois anos, jornalistas, meios de comunicação social, comentadores e políticos de um país inteiro.
E que, depois de todo este trabalho de apuramento, selecção, triagem e decantação, o que se conseguiu foi eleger alguém, que entrou em todas estas sucessivas fases de “testagem”, como um enigma e a todas superou, saindo ainda com uma feição, humana e política, mais enigmática do que quando nelas entrou.Com tabú e como tabú saiu da política há dez anos, e com tabú e como tabú regressa e se consolida(rá) para outros dez (prováveis).
Afinal, este país adora, da democracia, não é o seu esforço permanente que, como definição a singulariza, para tornar transparentes os mecanismos de funcionamento da sociedade, mas aquilo que, em democracia, continua a subsistir e a resistir a todos os esforços de transparência.
Com duas circustâncias agravantes, neste caso concreto de Cavaco.
Ele representar e ser apoiado pela área política de direita, a que o povo nunca tinha confiado, em trinta anos, a Presidência, por a considerar mais propensa à crispação, ao confronto e à instrumentaização das funções do Estado, do que ao consenso e ao compromisso e isenção inerentes ao cargo.
E ainda por, os motivos de possível conflito, entre a Presidência e o Governo, derivarem, não do exercício das funções para que Presidente e Primeiro Ministro foram eleitos pelo voto popular, mas daquilo que ambos são para além disto.
O Presidente, quer queira quer não, o depositário dos sonhos frustados da direita portuguesa.
O Primeiro Ministro, quer o queira fazer esquecer quer o assuma, o líder de um partido abalado por duas derrotas numa só eleição (um verdadeiro recorde para o “Guinesse”).
A derrota (absoluta) do candidato que escolheu.
E a vitória (relativa) do candidato que rejeitou.
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