O retrato do Touro Primitivo (Uro)
A referência que, ontem, fiz, no Epigrama,
a um artigo jornalístico sobre o touro bravo,
trouxe-me à memória dois textos do filósofo espanhol Ortega y Gasset.
Um, sobre o touro primitivo.
O outro sobre a tauromaquia.
E que me proponho utilizar nas próximas duas ou três entradas neste Ventilhador.
Ortega Y Gasset seria o primeiro daqueles dois filósofos que refiro no título.
O outro é Leibniz.
Já veremos como é que os touros juntam um filósofo espanhol,
que nada espanta ter feito destes temas objecto da sua reflexão
e o alemão Leibniz,
de cujo ambiente cultural os temas taurinos parecem tão distantes.
Diz Ortega y Gasset, no seu livro “Sobre a Caça e os Touros”:
“Como é sabido, a variedade bovina dotada de bravura é uma espécie zoológica arcaica que se perenizou na Espanha quando, muitos séculos antes, tinha desaparecido de todo o mundo.
As causas desta perduração ainda não foram esclarecidas.
Somente é patente que, nas últimas três centúrias, as festas nobres de touros, primeiro, e as corridas populares, depois, conseguiram a sua artificial conservação.
Não sei se se tem isto bem em conta.
Se se está atento a que essa função da coragem, o que na terminologia taurina se chama «casta», é superlativamente instável e sempre a ponto de se extinguir.
A fúria da nossa rês brava não se parece com nenhuma outra no mundo animal ainda existente.
Isto tornava muito difícil explicar a origem zoológica do bovino que com tanta paixão a exerce. De um lado, aparece o touro especificamente bravo rodeado por toda a parte por bovinos domésticos em que tal ou qual exemplar manifesta ocasionalmente bravura, mas que como linhagem tornaram proverbial a sua mansidão.
De outro lado, acontece que todas as variedades, espécies ou subespécies de bovinos domésticos e mansos por sua natureza, provêm de um tipo de touro originário, o bos primigenius, que era feroz.
Os Alemães chamam-lhe auerochs, o touro selvagem, e os Germanos e Celtas deviam chamar-lhe com um nome parecido, que aos ouvidos de Júlio César soava urus.
Foi ele quem introduziu este vocábulo na língua latina.”
(Ortega y Gasset, Sobre a Caça e os Touros, Cotovia, 1989, pag. 129)
Mas Júlio César nunca chega a descrever o animal.
O que deu origem às maiores fantasias.
Além de que o uro ou touro primitivo desaparece, como espécie, no primórdios da Idade Média.
Mas…
O que acontece veremos em próxima entrada.
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