Quem tiver assistido ontem, mesmo que só pela televisão, ao desempenho de Pedrito de Portugal, na sua actuação com o touro que lidou, na inauguração do Campo Pequeno, teve uma demonstração, ao vivo, daquilo que Ortega y Gasset define como o significado autêntico do vocábulo tourear.
Para facilitar a compreensão do pensamento de Ortega,
e tentar resumir também aquilo que o filósofo desenvolve em mais de 20 páginas,
comecemos pelas suas três aproximações graduais à definição do toureio e do acto de tourear, com que Ortega procura sintetizar o conjunto de aspectos que foi desenvolvendo
ao longo da sua explanação do tema sobre a arte do toureio, em Espanha.
No resumo final, que podemos considerar o mais genérico, por não incluir nenhum dos termos técnicos de que se serve no desenvolvimento do tema, diz ele:
Tourear é “lutar de todas as formas com o touro nesse breve espaço em que culmina o seu ser – o tempo em que permanece na praça”.
Ortega fica-se, aqui, ao nível da intuição mais imediata do que seja o toureio.
Trata-se de uma luta entre o homem e o touro.
E uma luta total.
Em que homem e touro põem em jogo todos os seus recursos.
Mas, como também é óbvio, nem todo o tipo de luta, por total que seja, entre estas duas entidades, pode ascender à categoria de toureio.
Que tipo de luta, é, então, o acto de tourear, para Ortega?
Em segunda aproximação à noção de toureio, ele esboça duas das características singulares desta luta.
Trata-se de uma luta, em que toureiro e touro se defrontam, ambos, com a morte.
Aquele dos dois que dominar o outro, domina a sua vida e a sua morte.
Esta é, digamos, a posição de partida dos dois intervenientes.
Qualquer deles coloca em jogo a própria vida.
Mas a aposta de que, também sempre se parte, é a de que o homem domine a morte dominando o touro.
Neste sentido, Ortega diz que:
"Tourear é dominar o animal, mas é também e ao mesmo tempo, uma dança, uma dança em frente da morte: entenda-se diante da própria morte”.
Subentenda-se que Ortega fala do toureio à espanhola.
Os chamados “touros ou touradas de morte”.
O que não se aplica, em toda a sua extensão e dramatismo, à tourada à portuguesa.
Nem no toureio apeado. Nem, muito menos, no toureio a cavalo.
Este dramatismo de encontro com a morte, está consideravelmente atenuado nas touradas portuguesas.
Foi retirado mesmo do esquema normal das touradas.
Está reduzido a simples acidente, quer para o touro, quer para o toureiro.
Numa terceira aproximação à elucidação do acto de tourear, e sobretudo, de bem tourear, na tourada espanhola, Ortega diz:
“Pode resumir-se assim: Tourear bem é fazer que não se desperdice nada da investida do animal, mas que o toureiro a absorva e governe inteira”.
Como se depreende, nesta definição, o filósofo já introduz terminologia técnica da arte de tourear, que necessita de ser clarificada.
É o que tentarei fazer, em próxima entrada.
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