sábado, outubro 08, 2005

Coelho de Sousa: O Poema


Há cinquenta anos e dois meses, escreveu Coelho de Sousa estes três poemas ligados por uma mesma circunstância: as velas de um moinho em ruínas e a Vila das Velas.

O Moinho



Aos estudantes das Velas




Que não lhe digam nada...


Olhem-no só como um farol abandonado


Em terra de ninguém.


E deixem-no sonhar eternamente,


Além,


Naquele morro...



A mó do tempo triturou-lhe a vida


Como fosse grão.


Moeu-lhe em pó de estrelas


A ilusão


Das suas velas;


Rasgou-lhe, o abandono, o coração...


Agora é só ruinas a pedir socorro.


Pobre moinho, além, naquele morro!...



Alimentei palácios e tugúrios,


Pisei nas minhas mós o pranto e a dor,


Acalentei do mar os seus murmúrios,


E acendi no peito a vida e a dor.



Eu tinha a quem subisse a minha encosta


A graça do convite num sorriso.


Eu fui o Pão divino, em mesa posta


A quem demanda alegre o Paraíso!...



E hoje?... Eu nada valho, eu nada sou.


A sombra do passado que se foi;


Montão de pedras que se abandonou


Moinho já sem velas,


que não mói.




Oh! Velas


Veste de novo a tua graça antiga


Feita só da luz das caravelas...


Que não te falta o mar ao teu respeito,


Tens soma de luar em doce preito,


E muito além no céu, para vestido, estrelas.



Serás eternamente Velas,


Gentil, cheia de graça,


Se fores acender, além, naquele morro


As velas do moinho que a pedir socorro


A vida passa.



E não terás, então, ao sol e ao vento


Da tua gentileza e graça pura


Mais rico monumento


Para mostrar a quem te veja e queira.


Velas, querida Velas,


Acende esta fogueira.



Velas, 3-VIII-1955


Pe. Coelho de Sousa

Quem desejar conhecer as circunstâncias completas que rodearam a criação deste poema e as duas faces da sua história "pública" e "secreta" é só empurrar a porta do Álamo Esguio, aqui ao lado.

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