quinta-feira, junho 01, 2006

Lamento do Maio Breve

Ou A Importância de (Nunca) Vestir um par de jeans

tempos interessantes (capa) 1


Era meu propósito não ter deixado acabar o mês de Maio sem a referência a duas personalidades, que, em circunstâncias muito diferentes da minha vida, tiveram alguma influência na minha visão da realidade social e da realidade histórica do mundo em que me tem cabido viver.
Afinal, o mês de Maio chegou mesmo ao fim.
E não consegui encontrar a oportunidade para me referir a nenhum deles.
Vou começar fazê-lo já hoje, no dia em que o mês de Junho é ainda uma criança e começa os seus dias a lembrar todas as crianças.
Pelas crianças, nada penso escrever hoje.
Mas vou repetir uma coisa que faço muita vez.
Passear o meu neto e os seus dois frágeis e buliçosos anitos, por um sítio aprazível desta ilha.
Mas, hoje, vai ser ele a escolher esse sítio.
 Faço questão de lho permitir, a ele, no dia que o mundo dedica a todas as crianças, aquilo que este mesmo mundo não vai permitir a milhões de outras (nas suas, por vezes, bem mais penosas que longas vidas) :
a possibilidade de escolher;
a alegria de optar;
a oportunidade de decidir;
E de se enganar, talvez.
Mas de poder repetir.
O engano.
Ou a correcção.
Mas, vamos, então, lá, ao historiador Eric Hobsbawm.
É dele mesmo que se trata.
Alguns conhecerão apenas o nome.
Outros, o título da sua obra, há algum tempo já, traduzida em português:
A Era dos Extremos.
Outros hão-de conhecê-lo muito melhor do que eu.
Outros, ainda estarão a fazer o mesmo que eu.
A ler-lhe a autobiografia, publicada o ano passado pela "Campo das Letras".
Já em situação anterior aqui o referi.
A propósito do dia da Europa.
E é por causa de um dos mitos da Europa, que quero que ele venha falar aqui,de novo.
E também se perceberá porque o queria ter trazido até ontem.
É porque se trata do mito de Maio de 68.
Por sinal, um dos meus mitos pessoais.
Vivido à distância.
Mas vivido com intensidade.
Mas vejamos, então, o que é que Eric Hobsbawm, o historiador e o activista político, nos tem a dizer sobre a importância histórica efectiva do Maio de 68.


"O que realmente transformou o mundo ocidental foi a revolução cultural dos anos 60.
Talvez 1968 não seja um ponto de viragem tão decisivo, em termos da história do século XX, como 1965, ano sem qualquer importância política, mas que foi aquele em que a indústria francesa do vestuário produziu pela primeira vez mais calças de mulher que saias, e em que o número dos alunos dos seminários católicos começou a diminuir visivelmente
Sempre disse aos alunos dos meus cursos de história do movimento operário que a grande greve dos estivadores de 1889, a que todos os manuais concedem grande relevo, talvez tenha sido menos significativa que a silenciosa adopção, por parte das massas trabalhadoras da indústria britânica, algures entre 1880 e 1905, de uma cobertura da cabeça facilmente identificável como típica da classe operária, o boné de pala que toda a gente conhece. Poder-se-ia sustentar que o sintoma verdadeiramente eloquente da história da segunda metade do século XX não foi nem a ideologia nem o movimento estudantil, mas o triunfo dos jeans.

E acrescenta, com a preocupação de precisar os limites da sua visão de historiador mas também de participante na vida do seu século:


Pelo meu lado, contudo, não faço infelizmente parte dessa história. Porque as Levis triunfaram, tal como a música rock, como emblemas da juventude.
E nessa altura eu já não era jovem.
Não sentia grande simpatia pelo equivalente de Peter Pan da época, o adulto que deseja continuar a ser adolescente toda a vida.
Nem era capaz de me ver a mim próprio desempenhando, com um mínimo de credibilidade, o papel do adolescente mais velho do b
ando.
Por isso decidi, quase como se de uma questão de princípio se tratasse, nunca vestir tal peça de vestuário, e nunca o fiz.  
É
uma circunstância que me impede de ser um historiador dos anos 60.
Fiquei à margem deles.
O que
escrevi acerca da década é o que pode escrever um auto biógrafo que nunca vestiu um par de jeans.



    

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