- Nesta entrada - O que é Tourear? A resposta do Filósofo (Ortega y Gasset) I - tinha interrompido este tema na definição com que Ortega sintetiza a sua explanação sobre o acto de tourear.
É a seguinte:
Tourear bem é fazer que não se desperdice nada da investida do animal, mas que o toureiro a absorva e governe inteira”.
Antes de abordar, em pormenor, os diferentes elementos técnicos desta definição, parece-me vantajoso fazer, com Ortega, uma prévia digressão sobre outra actividade lúdica com a qual o toureio parece ter, à primeira vista, grande afinidade.
O acto de caçar.
Mas não. Tem muito menor proximidade do que aquela que se possa supor. Há mesmo entre as duas antagonismo total.
Retomemos as considerações de Ortega:
"A caça é uma faina entre dois animais, dos quais um é agente e o outro paciente, um caçador e outro caçado.
Se o caçado fosse também, e na mesma ocasião, caçador, não haveria caça.
Teríamos um combate, uma luta em que os dois interessados se comportariam com a mesma intenção e análoga conduta.
A luta é uma ação recíproca.
O gladiador no circo não caçava a pantera que da jaula lhe tinham soltado, mas lutava com ela..."
Esta comparação orteguiana com o gladiador é suficiente para assinalar a diferença entre a caça e qualquer tipo de luta entre homem e animal.
Quando ela existe não há caça. Mas, tanto pode haver circo romano como pode haver... toureio.
As diferenças ficam mais claras ainda, nesta prosa de Ortega:
"Se um animal que é uma peça a caçar lutasse normalmente com o homem, de modo que a relação entre os dois consistisse nesse combate, teríamos um fenómeno completamente distinto da caça.
Por isso, tourear não é caçar.
Nem o homem caça o touro nem este, ao investir, o faz com intenção venatória.
A tauromaquia é, com efeito, algo assim como uma luta sui generis que, em rigor, tão pouco é isto (...)
A caça termina no "apoderar-se" da peça, viva ou morta.
Por isso, além de ser, no toureio, recíproca a perseguição, dizia eu antes, que nem o toureiro caça o touro nem este aquele, apesar de ambos atacarem com grande afinco e sem contemplações o corpo um do outro.
Mas nem o toureiro pretende "apoderar-se" do touro nem o touro do toureiro.
A investida do cornúpeto tem uma intenção oposta ao "apoderamento".
O touro não quer ter o toureiro vivo nem morto, mas, pelo contrário o que quer é suprimi-lo, aniquilá-lo, "tirá-lo da sua frente, "desmaterializá-lo".
Por isso, quando o corneou à sua vontade e tem a impressão de que ele já não existe, deixa-o a li, abandona-o e provê, sem mais, a outras necessidades suas.
Pelo contrário, os actos da caçada vão todos informados pelo propósito e fim de ter a peça, de a "tomar".
Se o caçador desportivo mata a rês não é para a matar, não é um assassino; mas a morte do animal é a forma mais natural de o ter e o "colher".Podemos ainda perguntar. E no toureio espanhol, porque o toureiro mata o touro?
Nesta entrada, vou-me quedar por aquilo que Ortega disse sobre o tema, numa nota deste livro "Sobre a Caça e os Touros":
"Quanto ao que o toureiro se propõe fazer com o touro, não se pode dizer em poucas palavras, porque é matéria muito subtil.
Desde logo, não se propõe o mesmo que o touro em relação a ele.
O que lhe interessa não é suprimir o touro, matando-o.
A sorte de matar, o seu sentido e a sua exigência são um segredo da história do toureio que não vou esclarecer aqui".
Constate-se apenas que Ortega não esclareceu aqui, nem em nenhuma outra ocasião. O livro que anunciou sobre o assunto (Paquiro o las corridas de toros) nunca chegou a ser escrito.
Sem comentários:
Enviar um comentário