... e os trocadilhos alfacinhas
"Finalmente, se havemos de dar fé a Corásio, êste foi o mistério com que as sibilas escreveram aquelas quatro letras S. P. Q. R., as quais os romanos aplicaram às suas bandeiras, entendendo por elas: Senatus, Populus Que Romanus, sendo que a verdadeira significação era: Salva Populum Quem Redemisti (8)... [Link]
Estas quatro letras garrafais, inscritas nos enormes pendões das procissões da Quaresma e Semana Santa, sempre deram origem às mais disparatadas e inventivas traduções.
Algumas ficaram ligadas aos maiores nomes da nossa literatura.
Ou porque as forjaram. Ou porque as registaram.
Eis dois exemplos.
De séculos diferentes.
O primeiro, é de Gervásio Lobato, o romancista e homem de teatro, e que é recordado na literatura portuguesa, sobretudo, como autor da "Lisboa em Camisa".
Descreve ele, o ambiente das procissões da Semana Santa, na Lisboa dos finais do século XIX, que, ao contrário de tempos recentes, já decorriam, "quase sem espectadores e sem actores.
Poucos irmãos com capa, poucas senhoras nas janelas, poucos basbaques pelas ruas".
Mas, ainda assim...
"...Sempre houve quem representasse o espírito lisboeta
e os bons ditos tradicionais, que sempre são inspirados pelo pendão, disseram-se.
Ouvimo-los no Chiado, no Domingo de Ramos.
S. P.Q.R.
-
Senhor, o povo quer república, dizia um.
-
São propostas que rejeito, dizia outro.
E, por fim, houve um terceiro que teve o espírito originalíssimo de
lhe dar esta interpretação perfeitamente nova e graciosíssima
Salada, Pão, Queijo e Rábanos.
Depois disto, compreendem bem que não assistimos ao resto da procissão.
Viemos para casa rir com o bom dito para não darmos escândalo na rua."
O outro exemplo é do século anterior e, como quase não podia deixar de ser, atribuída ao inevitável Bocage:
"Assistia Bocage a uma récita de curiosos, no camarote do pai de três meninas que representavam na peça - uma grande peça do século XVIII.
No meio do segundo acto aparece um pendão, em que se lêem as letras seguintes:
S.P.Q.R.
O pai das meninas pergunta confidencialmente:
- Ó senhor Bocage, que querem dizer aquelas letras?
Bocage respondeu:
- Senatus populosque romanus.
- Sim - insistiu o pai. - Mas aquilo, no teatro, deve ter outra qualquer significação, que o senhor saiba.
Bocage respondeu:
- Tem, mas eu é que não queria dizer-lha.
- Porquê? Diga, diga!
Então, Bocage, ao ouvido do homenzinho, exclamou:
-
São p...
quantas representam.
Escusado é dizer-lhes que o pai das três meninas
o pôs fora do teatro".
Como se vê, também quase sem excepção, as narrações das anedotas do Bocage acabam a fazê-lo pagar pelo seu atrevimento.
É dentro desta regra, (que desafiar as conveniências, sempre se pagou caro em Portugal), que Gervásio Lobato não deixou de incluir na sua descrição, o cuidado de, prudentemente, se retirar para rir no recato de casa, para não sofrer as conseqüências de "dar escândalo na rua".
Como seria de esperar e se pode confirmar pela Wikipedia, não são exclusivas dos portugueses, as traduções fantasiosas desta sigla.
Sono Pazzi Questi Romani (Astérix)