sábado, março 15, 2008

O CORO DAS MÃES (I)

Nunca tive a preocupação de conseguir a consonância de temas entre o Álamo Esguio e os meus outros dois blogues, este Ventilhador e o Epigrama, embora estes últimos, por razões de tempo e disponibilidade, acabem, muita vez, por alinhar pelos mesmo temas.
Nasceram para serem, um, a face que pensa e outro, a face que ri, mas este verso e reverso dos acontecimentos, nem sempre é evidente ou fácil de deslindar.
Mas vou abrir uma excepção, e trazer para os dois últimos, o tema que desde há vários dias vem sendo publicado no Álamo Esguio, sob o título de "Romance das mães que choram".
Na versão do "Ventilhador e do "Epigrama, o tema manter-se-á o mesmo, mas o título será o "CORO DAS MÃES".
É retirado da obra de Giovanni Papini, Juízo Universal, e que voltei a redescobrir, por simples coincidência, numa velhinha edição da "Livros do Brasil" dos anos 50.


CORO DAS MÃES

Eis ante Ti, Senhor, a infinita turba das criaturas que aceitaram a tua condenação

das mães que a expiar a culpa da mãe dos vivos pariram com dor

daquelas que com o próprio sangue e o próprio sofrer transmitiram, até à última noite, a vida.


Os homens criaram tudo o que ao Mundo pareceu belo e grande, mas
nós criámos, no mais quente abrigo do nosso corpo, os criadores.

Todo o género humano é filho da nossa carne e da nossa dor.

Mesmo os mais protervos conquistadores e dominadores foram expelidos sanguinolentos e gemebundos, da nossa vagina.

Fomos dóceis cúmplices do pecado dos homens, mas nem sequer os santos mais seráficos e cândidos haveriam podido nascer sem a nossa voluptuosidade e a nossa tortura.


Para dar a vida aos novos homens, a nossa esteve sempre em perigo;
muitas vezes a perdemos.


Nem
todas aquelas que estão ante Ti, Pai, se tornaram mães por vontade de amor.

Houve mulheres que conceberam por obediência, por temor, por inconsciência, por violência.

Mas todas amaram, mesmo as filicidas, os frutos do seu ventre.

Em muitas de nós houve traição, esquecimento, abandono, cegueira e baixeza,

em todas nós houve sombra ou princípio ou peso de pecado.

Mas Tu, Senhor, Tu que fizeste padecer tanto uma mãe feita de terra, como nós, volve os
olhos apenas para as nossas ânsias e para os nossos sofri­mentos.

Se o Homem foi por Ti condenado a espargir o seu suor sobre a terra

nós fomos condenadas, por culpa do homem, a espargir suor de sangue e lágrimas de dor.


Como à mãe de Caim e à mãe de Cristo, à maior parte de nós foram
arrancadas, antes da nossa morte, as flores da nossa vida.


Arrebataram-no-las, a maioria, outras mulheres mais jovens que foram punidas, por sua vez, com o suplício feliz da maternidade.


Mas arrancou-os ao nosso amor, contra a lei natural do amor, a morte.



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