segunda-feira, maio 09, 2005

O Ângulo Morto Germânico




"Dantes eu pensava que aqui, no centro dos acontecimentos, o sítio para onde tudo converge, tinha-se uma perspectiva melhor, um campo de visão mais largo.

Mas nós estávamos nos bastidores, e não sabíamos o que se passava no palco.

Só o realizador conhecia a peça, cada um decorava apenas o próprio papel, e ninguém sabia exactamente qual era o papel do outro.

Nenhuns boatos chegavam até nós, não havia nenhuma emissora inimiga, nenhuma opinião divergente, nenhuma oposição. Havia apenas uma opinião e uma convicção, por vezes dava a sensação de que todos usavam as mesmas palavras, as mesmas expressões.

Foi preciso primeiro presenciar o trágico desfecho, primeiro voltar à vida normal para poder ver tudo com clareza. Na altura, eu padecia de uma vaga sensação de frustração, de uma angústia que não conseguia identificar, pois o contacto diário com Hitler não dava uma forma concreta a nenhum desses pensamentos".

(...) "Por vezes, eu via os conselheiros, generais e colaboradores de Hitler saírem das reuniões com o Führer com rostos consternados, a morderem os charutos e a resmungar.

Com alguns deles tive oportunidade de falar posteriormente.

E embora fossem mais fortes, sábios e experientes do que eu, não era raro irem ter com o Führer munidos de uma determinação ferrenha, de documentos e argumentos impecáveis, para o convencerem da impossibilidade de cumprir uma ordem, da inviabilidade de uma orientação, e ele pôr-se a falar e antes mesmo que terminasse, todas as reservas tinham-se dissipado, tornando-se sem sentido face à sua teoria.

Eles sabiam que havia um problema qualquer, mas não sabiam precisar qual era.

Saíam desesperados, curto-circuitados, vacilantes na sua dantes tão inabalável opinião, como que hipnotizados.

Penso que muitos tentaram opor-se a essa influência, mas muitos cansaram-se e resignaram-se, e deixaram o barco correr até ao trágico fim.

Mas, conforme dizia, primeiro foi preciso uma derrocada total, um desfecho trágico e muitas desilusões até eu ter clareza e segurança.

Na altura, a vida passava-me ao lado como um riacho tranquilo, eu desfrutava o Verão junto dos lagos no meio de bosques a perder de vista.

Agora, em retrospectiva, quase não me lembro das coisas terríveis que se passaram no mundo em 1943.

A Wehrmacht alemã marchou contra Estalinegrado, e as cidades alemães começaram a sentir a guerra vinda do ar.

Goering fez o seu famoso discurso «Eu não me chamo Goering, se um único avião inimigo aparecer sobre Berlim.»

E as sirenes começaram a gritar, não apenas em Berlim, mas em todos os pontos do Reich".

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