...E duas ou três coisas que já se sabe delas
Nos poucos dias ainda decorridos sobre o alinhamento dos candidatos na grelha de partida para as presidenciais, já é possível antever alguns dos traços mais fortes do clima eleitoral em que elas vão decorrer:
1. Cavaco não perderá uma única oportunidade para elogiar José Sócrates e o seu Governo. O exemplo mais recente de que me lembro é o caso da decisão sobre o aborto, mantendo o referendo mas adiando-o para o ano que vem.
É de prever que seja precisamente o contrário daquilo que ele, depois, fará, se for eleito Presidente.
A “cooperação estratégica” que ele oferece ao actual governo não quer dizer outra coisa.
O importante não é o substantivo, mas o adjectivo, que está lá, precisamente, para esvaziar o substantivo.
O importante para Cavaco não é a cooperação em si, mas a sua delimitação.
Fora do âmbito do que ele designa, vagamente, por estratégico, não é de supor qualquer obrigação ou necessidade de cooperação.
2. Mário Soares fará exactamente o inverso.
Durante a campanha respeitará o maior distanciamento possível em relação às decisões concretas do actual governo, mantendo, porém, uma imagem de consonância e concordância abstracta e genérica com Sócrates.
Chegado ao poder, não terá qualquer dificuldade em manter uma cumplicidade aberta com o actual poder executivo, desde que lhe seja deixada margem de manobra para iniciativas próprias nalgumas áreas, como a cultura e a representação de Portugal no exterior.
Ele não quer a Presidência da Republica para “fazer” política, mas para impedir que Cavaco a “faça” e para ele próprio continuar a “fazer” aquilo que, hoje, já “faz” nas suas “Fundações.”
3. Cavaco terá que vender uma nova imagem à esquerda e as suas ideias, (de sempre?) à direita.
3. Cavaco terá que vender uma nova imagem à esquerda e as suas ideias, (de sempre?) à direita.
É o duplo preço que ele tem de pagar para ser o candidato único da direita portuguesa.
Esta resolveu sacrificar a clarificação ideológica à oportunidade histórica única, de arrancar a Presidência da República a um candidato oriundo da esquerda. Por isso mesmo, a direita tenta alterar, desde o início, a lógica clássica das eleições a duas voltas.
Neste tipo de eleições, segundo a regra tradicional, na primeira volta elimina-se os candidatos que não se quer e na segunda escolhe-se aqueles que se quer.
Ou, mais brevemente, na primeira volta elimina-se (vota-se contra), na segunda escolhe-se (vota-se a favor).
A direita portuguesa não quer perder tempo e correr riscos para ter acesso ao único órgão de poder de dimensão nacional que lhe está ainda acessível.
E logo ela, que tem, na sua matriz cultural, a necessidade do domínio total de todas as manifestações de poder efectivo na sociedade, e, na área do poder político, os ecos do sonho “sá-carneirista” de “uma maioria, um governo e um Presidente”.
4. Mário Soares terá de realizar a proeza oposta à de Cavaco.
Vender as suas velhas ideias à esquerda e a sua nova imagem à direita.
Este nem sequer é um problema novo para Soares, nem para a esquerda reformista de qualquer tempo histórico recente, apenas assume alguma dificuldade acrescida nestas eleições, com a presença no terreno eleitoral de Manuel Alegre, repetindo o esquema eleitoral de 85, com Alegre em vez de Zenha, mas, em circunstâncias de tempo e modo, aparentemente mais difíceis para Mário Soares.
5. A direita surge nestas eleições com o mesmo pragmatismo de sempre.
Interessa é chegar ao poder, mesmo que seja necessário camuflar a sua ambição (in)confessada de presidencialismo puro e duro, sob o disfarce do moderado semi-presidencialismo de bom tom constitucional.
Mas traz uma nova obsessão. A de se ver afastada durante tempo indeterminado do exercício do poder em todos os órgãos de soberania. Os mais atentos (ou menos ignorantes) devem viver atormentados com o espectro açoriano. A redução do principal partido da oposição a um partido residual e do poder local. O único verdadeiro risco que se corre é de assistir ao espectáculo de ver a direita a acabar a defender o regionalismo contra o Governo "Central", como já vimos, nos Açores, O PSD a defender o poder municipal contra o poder regional!
6. A esquerda corre o risco (calculado?) da repetição, em Portugal, do “21 de Abril de 2002”, ocorrido em França.
Ver-se afastada da Presidência da República, logo na 1ªvolta, se não conseguir impedir a maioria absoluta de Cavaco.
Em todo o caso, este acontecimento, não se revestirá do dramatismo “gaulês,” porque se tratará de uma alternância normal de poder. Embora possa vir a ser um rude golpe para a imagem que a esquerda tem de si própria e do país que somos.
É claro que há mais coisas que se sabem destas eleições e que incluem Alegre, Jerónimo e Louçã. É conversa para mais tarde...
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