"O Mito é o Nada que é Tudo" (Fernando Pessoa)
"O carisma de Cavaco Silva é um caso extraordinário.
Porque o homem não tem realmente carisma: é seco, sem interioridade nem estilo, e não parece ser um grande amante da cultura.
Mas dez anos de governação e a adoração das massas ensinaram-lhe várias coisas: uma dicção pausada que ritma o olhar (de quem pensa profundamente e «em consciência» — expressão várias vezes utilizada no seu discurso), um meneio correspondente da cabeça, um semblante sério e grave, à medida das circunstâncias.
Tudo isto confere-lhe uma espécie de estilo.
Eis um homem honesto, íntegro, que já deu provas, que tem a «elevação» adequada a um presidente. Acima da política e dos partidos, e, como dizia um apoiante, «um bom pai de família, um bom marido e um pai da nação, porque a nação é uma família”. (...)
Todas estas imagens não compõem a de um presidente real, porque os poderes do Presidente são limitados.
Por outro lado, a imagem total que Cavaco propõe enferma de uma característica evidente: autoritarismo (ou rigidez, se se preferir este eufemismo) datado, «perfil» de outros tempos, não o de um Portugal que necessita de se abrir e de se exprimir, de portugueses que procuram tomar iniciativas.
A imagem de Cavaco Silva é a de «um grande estadista» a quem o povo deseja delegar a acção, desresponsabilizando-se da que lhe Incumbe.
Voltaremos, imperceptivelmente ao descanso inocente do Portugal arcaico sob a aparência da modernidade. "
(josé Gil, Courrier Internacional, nº 30, de 28.10.2005)
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