sexta-feira, novembro 25, 2005

A Televisão do nosso Desencanto

Com os telejornais do nosso espanto.




Cada vez entendo menos a nossa televisão e os seus paradoxais critérios informativos.
Problema meu, dirão alguns. Provavelmente com razão.
Mas incómodo e intolerável, para muitos. Posso garantir. E causa de irritação e rejeição para outros tantos. Também posso garantir.
Mas vamos a factos.
Dois exemplos desta semana.
Um regional e outro nacional, para equilibrar.
1. Terça feira passada, se não me engano no dia, o telejornal da RTP-Açores, brindou-nos, em dose dupla - uma, pelas 20 horas, outra depois da meia noite- com um telejornal de 40 minutos, assim, criteriosamente distribuídos:

  • 33 minutos sobre temas de saúde, com a presença e entrevista do Secretário Regional do sector;
  • 2 minutos de política, com uma conferência de imprensa do PCP;
  • 5 minutos de desporto.

    Observações para melhor ajuizar do evidente “equilíbrio jornalístico “ na ponderação destes tempos televisivos, em que vale a regra que “um minuto em televisão é uma eternidade”:
  • Em todos os temas tratados nos 33 minutos concedidos à saúde, só havia duas notícias daquele dia, uma das quais repescada de telejornal anterior. Esta última era a dos 4 cães micaelenses (trata-se mesmo de cães, embora se possa suspeitar que, para o jornalista de serviço, o importante não era tanto serem cães, mas serem cães da ilha maior) mortos por leptospirose e um Congresso de Oncologia.
  • Os restantes temas eram claramente de arquivo, mas ensanduichados naquele mesmo telejornal pelo racional critério das “cerejas:“a propósito de saúde”…mais este tema, e este…e este…de São Miguel às Flores, passando pela Terceira, para conferir aquela aparente açorianidade da praxe.
  • Mas as considerações sobre os temas reais ou implícitos e de que a saúde é apenas uma manifestação ocasional terão de ficar para “ventilhação” futura.
    2. O outro exemplo vêm-nos da RTP1.
  • A primeira notícia do telejornal de quarta feira é a da apresentação pelo Governo dos estudos relativos à construção do aeroporto da OTA, que, há muito, eram esperados e reclamados.
  • Como me parece óbvio, e por insuficientes e contestáveis que sejam, devem, esses estudos, seguramente, ter algum argumento favorável à localização do aeroporto na OTA.
  • Pois os jornalistas da RTP1 conseguiram o quase milagre de reportarem, questionarem, entrevistarem, comentarem, acrescentarem, inteligentemente indagarem “como é que vê? “como é que acha que”? e, porventura, o acutilante “como é que se sente”?;
  • Conseguiram tudo isto, sem, uma única vez, permitirem ao seu espectador perceber o mais elementar: O argumento do Governo para a escolha da OTA.
  • Com este memorável antecedente, corremos o sério risco de a OTA começar a funcionar, lá para meados da próxima década, sem que a RTP1, nos seus telejornais, se tenha sequer aproximado da grande e fatídica questão que interessa mesmo a todos os portugueses:
  • Por que razão a escolha da OTA?
  • Abençoadas televisões que nos deixam presos nas raízes da sabedoria: O espanto. O paradoxal espanto.

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