É possível preservar aquilo que define o homem - o sorriso, mais do que o riso - no meio da mais desumana dor e angústia? Sim, é possível. Provou-o Roberto Benigni , em "A Vida é Bela", jogando a fraqueza da inocência infantil contra a força da máquina de morte das muitas "auschwitzes" do nazismo.
É possível manter abertas as portas da esperança, mesmo que muito estreitas, contra a fábrica do desespero consagrada na lei e no sistema social? Sim, é possível. Provou-o Steven Spielberg, com o exemplo de Schindler. A sua lista era uma "Arca de Noé", em que salvar apenas um homem ( e foram salvos muitos mais) era salvar toda a humanidade.
É possível manter reconhecível os traços do rosto humano e daquilo que, (nestes casos), eufemisticamente, chamamos natureza humana, mesmo à porta da câmara de gás e à boca do forno crematório? Sim, provou-o, entre outros, Primo Levi em "Se isto é um Homem".
Mas, para manter tudo isto possível, há uma condição que é absolutamente necessária. Que a memória não se perca. Que o esquecimento não apague a história. E há este risco social e histórico de lavagem da memória dos povos e dos indivíduos?
Por incrível que, à primeira vista, possa parecer, é esta mesmo a primeira tendência de qualquer povo, perante qualquer barbárie de que seja responsável. Não foi diferente com o povo alemão. Apenas porque vem a talho de foice, transcrevemos meia dúzia de linhas de um livro que merece passar a ser livro de cabeceira dos portugueses, que se preocupem em pensar-se como tais.
Refiro-me a "Portugal, Hoje, O Medo de Existir", de José Gil. Diz ele sobre este tema:
"Depois da Segunda Guerra Mundial, os alemães negaram-se a inscrever na sua existência como na sua história, o III Reich e o nazismo, reduzidos, durante décadas, nos manuais de História dos liceus, a um "episódio" referido em dez ou vinte linhas.
Esse "branco" ou lacuna invisível, ou não-inscrição, está ainda a ter efeitos imprevisíveis na sociedade alemã, não sendo sem dúvida alheio à subida do neo-nazismo".
Felizmente, essa tentação hoje parece superada, se considerarmos as cerimónias oficiais que, por estes dias, estão decorrendo na Alemanha e projectos, como o que encima este "post", do memorial do holocausto que, há dois anos, começou a ser erguido.
Neste caso, recordar é condição de viver!
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