quinta-feira, março 03, 2005

As Vitórias de Hoje e as de Ontem



Parece haver uma constante histórica que rodeia as vitórias eleitorais do socialismo democrático. O pessimismo generalizado dos meios políticos e diplomáticos sobre a capacidade dos partidos socialistas para corresponderem aos desafios que a sociedade lhes reserva.
A tendência geral é para se começar a dar expressão forte, ainda mal digerida a vitória nas urnas, às mais atormentadas preocupações sobre o verdadeiro significado e conteúdo dessas vitórias, que, pese a eventual clareza dos programas que as alimentaram, são consideradas nebulosas e vagas, tanto mais que os dirigentes do PS que as protagonizaram nunca são os representantes ideais desses partidos. Esses ficaram na sombra ou por opção própria ou por má escolha das bases.
Este é o outro drama típico dos partidos socialistas, quando ganham eleições. Perdem pelo caminho os seus verdadeiros "Moisés". No caso de Mitterrand, por exemplo, chamava-se Pierre Mendés France. E as carpideiras das vitórias socialistas ( aparecem sempre muitas!), não se cansam de lembrá-los! No caso de Sócrates, também há vários, como muito bem sabemos.
No dia a seguir à vitória, em 10 de Maio de 1981, que o levou à Presidência da França, o próprio Mitterrand fez-se eco dessas reacções negativas, entre suspicazes e malévolas. Diz ele, na suas "Memórias Interrompidas"
"Poucas eleições importantes em França terão suscitado tanto desapontamento e frieza nas chancelarias como as de 10 de Maio de 1981(...) Por todo o lado reinava a inquietação, de Moscovo a Washington, de Bona a Pequim.(...) Porque em parte alguma a mudança é desejada. Como em todas as situações, a aliança das ortodoxias reafirma-se quando a ordem estabelecida é posta em causa. As pessoas estavam habituadas a uma França conservadora, tinham aprendido a conhecer os seus actores, fora possível chegar a algumas bases de acordo. Com esta reviravolta, tornava-se necessário rever compromissos. Deixar de fingir, de dar a entender que um desacordo era um acordo e que tudo corria da melhor maneira no melhor dos mundos."
Estas preocupações e incertezas não poupavam nenhum dos senhores do mundo de então. Nem os americanos nem os russos. Como esclarece o próprio Mitterrand: "Os títulos e os subtítulos do Le Monde de 12 de Maio traduziam fielmente o estado de espírito, após a minha eleição "Washington: confusão e interrogações. Moscovo: Embaraço e ambiguidade".
Mas porque razão, a força dessas simples palavras, democracia e socialismo, suscita tanta preocupação e angústia em todos os que se consideram, por um pretenso direito histórico, senhores da "verdadeira" ordem do mundo? Porque é que o voto do povo nessas duas palavras provoca abalos tão profundos no ânimo resoluto desses senhores do mundo tal como ele é e tal como eles acham que deve continuar a ser?

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