terça-feira, março 22, 2005

Tac, Tac, Tac, Jerusalém




"Denise conhece os cantos da cidade (de Jerusalém) e os transeuntes, os vendedores de velas, os mendigos verdadeiros e os falsos. E a melhor loja árabe onde se vendem essências.
É preciso ouvi-la. O seu carácter é forte e as suas mãos vitais. Denise coloca uma mão sobre a outra e provoca com elas um ruído de espada ou de máquina. Olha na direcção do Monte das Oliveiras e fala mais ou menos assim:
- "Tudo isto começou há muito tempo. Primeiro vieram os assírios que incendiaram e destruíram o Templo de Salomão, e tac, tac, tac, abateram-se sobre toda a cidade. Depois veio Alexandre o Grande, e tac, tac, tac... Em seguida reergueu-se a cidade. Depois vieram os romanos, e tac, tac,tac... Depois Herodes o Grande refez outra vez a cidade. Em seguida veio o imperador Tito e tac, tac, tac, sobre a cidade e o templo, e não deixou pedra sobre pedra. Tac, tac, tac. Veio o imperador Adriano e reconstruiu a cidade. Depois veio Constantino e fez dela uma cidade santa, mas logo vieram os muçulmanos, tac, tac, tac, e ocuparam-na. E a seguir vieram os cruzados da Europa para a libertarem. Durante oitenta anos os santos cruzados aspergiram sangue sobre as pedras de Jerusalém, tendo sido tudo bem picado, tac, tac, tac, durante oitenta anos. E finalmente veio Soliman, o otomano, que reconstruiu as muralhas sobre as quais nos encontramos. O tempo passou e tac, tac, tac..."
É assim que Denise explica, irónica e sábia, as suas mãos enérgicas a imitarem o som do martelo-pilão, o grande instrumento musical que acompanha desde sempre a História".
(Lídia Jorge, Passagem por Jerusalém, in JL, nº 899 de 16 a 29 de Março de 2005)

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