Este ano bem esperava escapar ao “Choque Natalício”.
Pelo menos, na sua expressão mais ou menos literária ou bloguística.
Uma vez que, na sua dimensão pessoal e familiar, é impossível escapar-lhe.
Ele entra-nos pela casa dentro e pela vida, pela mão de toda a família e pelos cartões e sms de amigos e conhecidos.
Não é, sequer, que estivesse pensando em fugir-lhe, como vivência própria deste período do ano.
Mas estava pensando reduzi-lo ao ritual social e familiar da consoada, da visita aos amigos, e de outras praxes típicas da quadra.
Mas não pensava nada que ele voltasse a envolver-me interiormente, de forma a ter que materializar-se num texto e a experimentar aquele frémito de alma que nos obriga a dizer: este Natal do calendário voltou a ser mais um natal “meu”.Da minha agenda de vida.
A verdade é que tinha resistido bem, numa indiferença assumida e cultivada, às versões mais recentes do natal “up-to-date”, com figuras acrobáticas de “Pais- Natal” “made in china,” trepando empenas e paredes de habitações, em exercícios mais musculados do que o dos respeitáveis anciãos que , durante todo o ano, se exibem nas montras de algumas farmácias, em anúncios ao “Alho Rogof”; tinha resistido bem ao “niagáras “ de lâmpadas a irradiarem cascatas de luz e cor pelas fachadas, escadas, janelas, empenas, muros e pátios de cada vez mais casas das freguesias da Terceira; tinha resistido bem às iluminações feéricas de três Câmaras e de outras tantas cidades açorianas (Angra, Ponta Delgada e Praia da Vitória).
Perante tudo isto, tinha mantido uma indiferença estudada e falsamente segura.
Mas a carapaça começou a esboroar-se ontem, numa ocasional leitura de jornal, durante uma viagem de avião de São Miguel para a Terceira.
Mas a carapaça começou a esboroar-se ontem, numa ocasional leitura de jornal, durante uma viagem de avião de São Miguel para a Terceira.É provável que as sombras da noite que, lentamente caíam, quase ao ritmo da chuva miudinha que as acompanhavam, tenham contribuído para a nostalgia que, inevitavelmente, envolve o natal do sexagenário que me prezo de ser (que remédio!).
Mas os artigos de Daniel de Sá e Mariana Matos, lidos no suplemento de Natal do Açoriano Oriental, foram o “click” decisivo, para, mais uma vez, interiorizar o que me esforçara por manter como algo puramente exterior e apenas uma injunção de calendário, sem dimensão nem peso pessoal. E as sombras de todos os natais vividos e imaginados vieram ter comigo.
Primeiro, vieram as sombras trazidas pela mão de Camões, cujas redondilhas de “Sôbolos rios que vão”, tinham sido objecto de releitura recente, por acasos nada natalícios:
Acha a tenra mocidade
prazeres acomodados.
E logo a maior idade
Já sente por pouquidade
Aqueles gostos passados.
Um gosto que hoje se alcança
Amanhã já não o vejo;
Assim nos traz a mudança,
de esperança em esperança
E de desejo em desejo.
Mas em vida tão escassa
Que esperança será forte?
Fraqueza da humana sorte,
Que quanto da vida passa
Está recitando a morte!
Mas em vida tão escassa Que esperança será forte? Fraqueza da humana sorte, Que quanto da vida passa Está recitando a morte!Mas deixar nesta espessura
O canto da mocidade!
Não cuide a gente futura
Que será obra da idade
O que é força da ventura.
Que idade, tempo, o espanto
De ver quão ligeiro passe,
Nunca em mim puderam tanto
Que, posto que deixe o canto.
A causa dele deixasse.
Mas, depois de Camões, veio outro poeta que, não apenas indirectamente como Camões, cantou, no meu natal de sombras, as sombras que povoam todos os natais, que se prolongam para além dos natais da infância.
Estes, sim. Sem sombras. E só “força da ventura.”
Será o poeta da próxima entrada neste blogue.
Ainda hoje, ou talvez, só amanhã!
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