Para aqueles que, porventura, desejem uma leitura mais técnica e pormenorizada do quadro mais célebre de toda a pintura do século XX, aqui fica a leitura de dois especialistas, autores da obra sobre Picasso editada pela Taschen: Carsten e Peter Warncke.
Este imenso quadro é de um efeito monumental, mas não opressivo.
Uma composição horizontal extremamente alongada reúne sete figuras ou grupos de figuras;
a disposição delas é clara e refinada.
Duas representações ocupam os planos laterais à direita e à esquerda;
entre estas duas massas, a composição forma um grande triângulo raso.
Ao centro está um cavalo ferido, numa pose artificial, o pescoço dolorosamente contorcido para a esquerda e as goelas dilaceradas por um estertor de agonia.
De uma abertura quadrada, vemos avançar uma cabeça humana estilizada de perfil e um braço segurando um candeeiro de petróleo por cima da cena.
Por cima da cabeça do cavalo aparece um motivo que pode ser interpretado de várias maneiras: uma espécie de grande olho divino rodeado de uma coroa de pontas irregulares, com uma lâmpada no lugar da pupila, imagem que evoca, ao mesmo tempo, um sol resplandecente e uma luz eléctrica.
À direita do cavalo, acorre uma mulher.
A sua pose está claramente orientada segundo a diagonal pendente, de modo que ela fecha a composição do grupo mediano.
O emparelhamento desta figura é formado pela estátua guerreira estendida no solo, com uma espada quebrada na mão.
Esta estátua está partida em vários bocados ocos espalhados pelo chão.
Picasso evita aqui a rigidez involuntária que poderia surgir de uma ordem demasiado rigorosa.
O sol, ou o candeeiro, está, com efeito, deslocado para a esquerda em relação ao eixo central, ao passo que o motivo chocante da parede branca está colocado à direita desse eixo.
Por cima da estátua partida do guerreiro há um grupo completo.
Diante do touro, uma mãe ajoelhada, que grita, com o filho morto nos braços.
Emparelha com ela uma figura com a cabeça lançada para trás, que se acha no extremo direito do quadro, com a boca aberta num grito e os braços erguidos numa pose patética.
Superfícies sombrias e claras e pontes irregulares fazem com que apareça como um corpo que se abate e arde diante de uma casa em chamas.
Diversas linhas de fugas e de esforços de perspectiva perturbam a situação espacial de maneira consequente.
Isto está ainda apoiado por partes claras e escuras cuja repartição não permite que se determine um foco luminoso preciso.
Neste quadro, Picasso fez entrar elementos da expressividade elementar, a sua própria linguagem formal, motivos e esquemas pictóricos universais, largamente difundidos por uma longa tradição. Picasso, ao fazer de Guernica uma alegoria histórica, servia-se de um género pictórico tradicional. A composição em três partes baseia-se, além disso, no tríptico, forma clássica do retábulo cristão. A transposição de Picasso situa-se inteiramente no contexto artístico da sua época.
O tríptico tinha-se tornado havia muito tempo num género pictórico profano e servia as mais diversas intenções na arte figurativa e na arte abstracta.
25 de Novembro
Há 51 minutos
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